Data: 28/04/2010
De: KAREN HADLIK
Assunto: ADPF
28 de abril de 2010 | N° 16319AlertaVoltar para a edição de hoje
ARTIGOS
O STF e a democracia, por André Luiz Olivier da Silva*
O Supremo Tribunal Federal deverá julgar hoje a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil. Nessa ocasião, estará em pauta a Lei de Anistia, quando a Corte dará o seu veredito sobre o âmbito de incidência da lei, dizendo se ela se aplica ou não aos torturadores do regime militar. Além disso, esse julgamento propiciará ao cidadão a oportunidade de avaliar o compromisso do Poder Judiciário perante o resgate histórico do período da ditadura militar (1964-1985) e perante o próprio regime democrático.
Cabe lembrar que a Lei de Anistia foi elaborada no governo Figueiredo em 1979 e previu, ainda sob a tutela da ditadura, a concessão da anistia a todos aqueles que cometeram crimes estritamente políticos e eleitorais, sem se pronunciar acerca dos crimes comuns. O seu objetivo era apenas trazer de volta ao país um grande número de brasileiros que se encontravam no exílio em razão de questões políticas, todos, praticamente, cidadãos de esquerda que haviam lutado contra o terrorismo de Estado.
A lei não entrou no mérito da criminalidade urbana e nem dos crimes comuns (e não políticos) praticados pelos agentes do Estado, mas, para acatar a pressão política que a sociedade brasileira opunha às atrocidades do regime, limitou-se a permitir a volta ao país dos seus filhos espúrios. Embora já desse sinais de desgaste e decadência, a ditadura militar elaborou a Lei de Anistia do mesmo modo como produziu todas as suas legislações. A lei era uma imposição que vinha de cima para baixo, visto que o regime militar repudiava qualquer discussão ampla e irrestrita sobre a legalidade – uma característica típica de um não Estado democrático de direito. Contudo, a Lei de Anistia nunca perdoou os criminosos comuns, de modo que o STF terá que mostrar a sua opinião nesse julgamento, dizendo, finalmente, se a lei se aplica ou não aos torturadores.
Nesse julgamento, restará evidente o compromisso do Poder Judiciário com a democracia, de modo que o criminoso comum, por ter praticado crimes de lesa-humanidade, deve, ainda hoje, prestar contas à polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário – o que desagrada a alguns setores da sociedade civil e do Estado, como é o caso das Forças Armadas. Os crimes comuns até já poderiam estar prescritos em razão do longo período temporal que se passou desde os anos de chumbo, porém, como se trata de crimes contra a humanidade, são considerados crimes imprescritíveis e não sofrem a corrosão do tempo. Neste sentido, se o STF decidir interpretar a Lei de Anistia a favor da caserna, verificar-se-á, lamentavelmente, que o Brasil ainda está distante da consolidação de sua democracia e que as suas instituições estatais não estão comprometidas nem com os direitos humanos, nem com o Estado democrático de direito.