Professor e Advogado

Os Limites da Linguagem Jurídica Contenciosa

10/03/2010 01:29

Rememorando os conceitos do processualista italiano Francesco Carnelutti a lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Com base neste conceito denota-se que a atividade contenciosa é qualificada por um choque de interesses que eleva os ânimos de ambas as partes ao longo do deslinde processual.

 

A atividade da advocacia é eivada de nobreza tendo em vista a missão e o respeito que a categoria deve manter mesmo em situações que não seja merecedoras de tais posturas. Esta característica é visível no artigo 31 do Estatuto de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil no qual o advogado deve se tornar merecedor de reséito e deve contribuir para o prestígio da classe:

 

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

 

Dessa forma uma das vias de maior demonstração de respeito e dignidade decorre-se nas vias comunicativas, ou seja, na linguagem escrita ou verbal.

 

A adoção no exercício da advocacia de um vocabulário rebuscado, pautado nas normas cultas da língua portuguesa e nas normas éticas do respeito mútuo criam um clima sereno para que o Magistrado possa analisar a demanda ser se encontrar influenciado pelo acesso agressivo de uma das partes.

 

Para tanto, com a finalidade de preservação de uma via comunicativa livre de posturas antiéticas ou agressivas que, por sua vez, são incompatíveis com a postura de um advogado, o Código de Processo Civil no seu artigo 15 prevê a possibilidade de se riscar dos autos expressões deste porte.

 

O ato de riscar implica em uma demonstração do Poder Judiciário na repúdia ao ato praticado pelo procurador da parte que fez usos de tais expressões que ensejou a postura rigorosa.

 

O ato de riscar é um símbolo que reflete a necessidade de desconsideração do que foi anteriormente apresentado. Logo, por óbvio, nos atos orais sua intervenção somente é possível com base na redução a termo dos atos injuriosos ocorridos em audiência.

 

Com vistas a suprir tal carência o legislador conferiu ao Magistrado a possibilidade de advertir o advogado que não faça mais uso destas sob pena de lhe ser retirada a palavra.

 

Ainda sim, deve-se ressaltar que as consequências no campo processual podem alcançar inclusive consequências penais através do cometimento do crime de calúnia que, não encontra guarida legal como encontra a injúria e difamação:

 

 

Exclusão do crime

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

 

Portanto, para ilustrar tais limites, segue abaixo acórdão para aprofundamento da reflexão da aplicação da linguagem jurídica no campo prático do atividade contenciosa:

 

Tribunal Regional do Trabalho - TRT5ªR

1ª. TURMA

RECURSO ORDINÁRIO Nº 00937-2009-612-05-00-3-RecOrd

RECORRENTE: MATEUS ALVES DOS SANTOS

RECORRIDO: CHAME-CHAME PANIFICADORA LTDA.

RELATORA: Desembargadora GRAÇA LARANJEIRA

PALAVRAS OFENSIVAS - DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE POLIDEZ NA LINGUAGEM - Não permite o Direito sejam utilizadas palavras ofensivas à parte adversa e muito menos ao Julgador, ato que termina importando em agravo à própria Justiça e violação do dever de polidez na linguagem. Talvez envolvidos pelo calor da demanda e olvidando argumentos jurídicos, esquecem alguns profissionais comezinhos princípios gerais relativos à boa conduta ética, proferindo expressões que ferem a dignidade da pessoa humana. O Direito oferece vasto campo de defesa, no qual não inclui tais tipos de ofensas, olvidando-se a polidez de linguagem exigida do Profissional.

MATEUS ALVES DOS SANTOS, nos autos do processo em que litiga com CHAME-CHAME PANIFICADORA LTDA., recorre ordinariamente da decisão de fls.34/36 que julgou improcedente a Reclamação Trabalhista. As razões recursais encontram-se às fls.39/43 e as contra-razões às fls.47/49. Atendidos os pressupostos de admissibilidade do recurso. Sem necessidade de remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho. Teve vista a Exma. Sra. Desembargadora Revisora. É o relatório.

VOTO

EXPRESSÕES INJURIOSAS

Invocando a aplicação do preceito contido no art.15 do CPC, a Reclamada pede que sejam riscadas as palavras injuriosas que constam das razões do recurso.

Não permite o Direito sejam utilizadas palavras ofensivas à parte adversa e muito menos ao Julgador, ato que termina importando em agravo à própria Justiça. Talvez envolvidos pelo calor da demanda, esquecem alguns profissionais princípios gerais relativos à boa conduta ética, proferindo expressões que ferem a dignidade da pessoa humana. O Direito oferece vasto campo de defesa, no qual não inclui tais tipos de ofensas, olvidando-se a polidez de linguagem exigida do Profissional.

De fato, algumas expressões utilizadas pelo Recorrente são ofensivas e precisam ser suprimidas dos autos. Assim, atendendo ao requerimento do ofendido, devem ser riscados os trechos do Recurso Ordinário onde constam as seguintes menções injuriosas ao réu: "clara intenção de intimidação" (fl.41) e "mesmo presenciando tal artimanha" (fl.41).

No que diz respeito às expressões "notória intenção do Julgador, em desmerecer completamente o depoimento da testemunha" e "o Julgador extrapola sua competência, ao entrar na seara do Direito Penal", não podem ser riscadas do processo porque implicam no exame da consequência jurídica advinda de tais afirmações e que corresponde, respectivamente, à suposta suspeição do Juízo e reconhecimento de possível incompetência material.

Risque-se, porém, o trecho em que o Recorrente afirma que o Juiz "não leu" todo o dispositivo legal que consta do art.62, inciso I, da CLT (fl.42). Tal menção é ofensiva à atuação do Julgador, a quem cabe conhecer o direito para aplicar aos fatos trazidos na ação judicial.

Risquem-se do Recurso Ordinário as expressões que ofendem ao Réu e ao Judiciário, acima especificadas.

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO

Ainda que por via oblíqua, a Reclamada suscita a preliminar de não conhecimento do apelo ao dizer que o Recorrente não fundamentou precisamente sua pretensão recursal, apresentando peça recursal inepta (fl.49).

Do mesmo modo como não se admite a defesa genérica, o recurso genérico também não pode ser admitido no processo. A parte deve impugnar a sentença e dizer exatamente o que pretende na instância recursal. Se o Recorrente assim não o faz, além de impedir o próprio exercício da ampla defesa e do contraditório, inviabiliza o reexame pelo tribunal ad quem, já que, a rigor, nenhuma matéria foi devolvida.

Na hipótese dos autos, no entanto, ainda que o Recurso Ordinário tenha sido elaborado sem rigor técnico, não pode ser considerado inepto ou mesmo genérico. Conforme se observa, há postulação de reforma do julgado nos aspectos relacionados ao reconhecimento do contrato de experiência e ao deferimento de horas extras.

Rejeito.

INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

Não tem razão o Recorrente quando diz que o Juízo de primeiro grau extrapolou os limites de competência da Justiça do Trabalho, ao apreciar questões relacionadas ao Direito Penal.

Por imposição legal, prevista no art.40 do Código de Processo Penal, os Juízes devem ficar atentos aos fatos trazidos aos autos que possam implicar na configuração dos crimes previstos na legislação penal, a fim de que sejam tomadas as medidas cabíveis junto ao Ministério Público.

Nestes autos, ainda que o Juízo não tenha se convencido do recebimento indevido do Seguro Desemprego pelo Reclamante, em obediência ao dever legal, precisou apreciar o fato com vistas à possibilidade de configuração de crime de estelionato previsto no art.171 do Código Penal.

Não houve extrapolação da competência material.

SUSPEIÇÃO DO JUIZ

Diversamente do quanto sustenta o Recorrente, não restou evidenciada a intenção do Juiz de primeiro em desmerecer a prova testemunhal. A análise do conjunto probatório foi feita de forma bastante fundamentada, tendo o Julgador indicado, precisamente, onde a testemunha foi contraditória ao depor.

Nos termos do preceito contido no art.131 do CPC, o juiz deve apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, e indicando, na sentença, os motivos que formaram o seu convencimento.

O Julgador prolator da sentença recorrida atendeu ao critério de livre apreciação da prova.

Rejeita-se a argüição do Reclamante.

MÉRITO

CONTRATO DE EXPERIÊNCIA

O Reclamante insiste no reconhecimento do contrato por prazo indeterminado. Alega que se desincumbiu do ônus da prova do tempo de serviço superior a 90 (noventa) dias e aponta como fraudulento o contrato de experiência trazido aos autos.

A análise das provas não nos permite a reforma do julgado.

O contrato escrito e devidamente assinado pelo Reclamante (fl.26) comprova que as partes se vincularam por um prazo de experiência, em estrita obediência aos preceitos contidos nos artigos 445, parágrafo único, e alínea "c" do §2º, do art.443, ambos da CLT.

Observe-se que o referido contrato foi firmado por escrito, onde constam elementos essenciais à caracterização da vinculação por prazo determinado, dentre os quais, o nome e qualificação das partes, as condições de trabalho, a natureza do cargo, a remuneração, o horário de trabalho, as assinaturas das partes, o termo de vigência e a data da assinatura do contrato.

A prova testemunhal produzida pelo Reclamante não foi capaz de desmerecer a robusta prova documental.

A nosso ver, quando o Juízo da instrução, após inquirir a testemunha, observando seus sentimentos e reações, conclui pela ausência de credibilidade, para que a decisão seja reformada, entendemos necessária a apresentação de elementos relevantes por parte do Recorrente, que possibilitem ao Órgão ad quem, que não participou da produção da prova oral, convencer-se em sentido contrário. Tal não foi a hipótese dos autos. Ao contrário dos argumentos trazidos em recurso, a testemunha realmente mostrou-se segura apenas em relação às datas de admissão e término do contrato do Reclamante, não sabendo sequer precisar o tempo de serviço que prestou à Reclamada.

Nada a reformar.

HORAS EXTRAS - SERVIÇO EXTERNO

Não tem razão o Reclamante quando insiste no deferimento de horas extras, afirmando que, apesar de laborar externamente, não poderia ter sua jornada excepcionada pela regra do inciso I, do art.62 da CLT.

Nestes autos, ficou evidenciado o exercício de atividade externa, sem conhecimento do tempo exato dedicado ao empregador. Diversamente do quanto sustenta o Recorrente, a falta de anotação desta condição na CTPS do empregado, por si só, não descaracteriza a sujeição ao trabalho externo, já que tal formalidade não prevalece sobre os fatos.

A prova testemunhal não foi suficiente para descaracterizar a presunção de que o motorista presta seu labor externamente, sem controle de jornada. Exatamente como salientou o Juízo de primeira instância, a testemunha "sequer presenciava o horário e que se iniciava a jornada do autor" (fl.36). Ademais, conforme já salientado, a testemunha ofereceu depoimento contraditório, não tendo sido digno de fé pelo Juízo que colheu a prova.

Como visto, é plenamente aplicável a exceção do artigo 62, inciso I, da CLT, sendo indevidas as horas extras postuladas.

Sentença mantida.

Ante o exposto, preliminarmente, REJEITO as argüições de ausência de dialeticidade do apelo, incompetência material e suspeição do Juízo. No mérito, NEGO PROVIMENTO ao Recurso Ordinário do Reclamante. Nos termos da fundamentação supra, DETERMINO que sejam riscadas da peça recursal as expressões que ofendem ao Réu e ao Judiciário, especificadas neste voto.

Acordam os Desembargadores da 1ª. TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, unânime e preliminarmente, REJEITAR as argüições de ausência de dialeticidade do apelo, incompetência material e suspeição do Juízo; no mérito, ainda, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao Recurso Ordinário do Reclamante; nos termos da fundamentação contida no voto da Exma. Sra. Desembargadora Relatora, DETERMINAR que sejam riscadas da peça recursal as expressões que ofendem ao Réu e ao Judiciário, especificadas no voto da Exma. Sra. Desembargadora Relatora.

Salvador, 22 de fevereiro de 2010.

GRAÇA LARANJEIRA
Desembargadora Relatora
 

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