Professor e Advogado

As limitações da livre iniciativa e o Decreto Nº 7.061/2009

01/01/2000 00:55

 

 

 

 

 

 

 

 

RODRIGUES, Rodrigo de Abreu. As limitações da livre iniciativa e o Decreto Nº 7.061/2009. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jan. 2010. Disponivel em: <https://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.25820>. Acesso em: 06 mar. 2010.

 

 

 

 

 

1.      INTRODUÇÃO

Este artigo analisa o decreto 7.061/2009 que restringe a atividade empresarial do ramo cinematográfico à necessidade de disposição de quotas de exibição de obras nacionais como via aparente e ineficaz de desenvolvimento nacional em contraposição à real limitação do princípio da livre iniciativa e do princípio democrático de direito.

2.      DESENVOLVIMENTO E CONCLUSÃO

A atividade empresária caracteriza-se pela livre iniciativa, ou seja, a possibilidade do empresário de organizar os elementos desta atividade, tais como mão-de-obra, insumos e tecnologia, a fim de que este possa gerar lucro.

Com base nestes conceitos, em uma sociedade capitalista neoliberal enseja-se a intervenção estatal apenas em condições de extrema necessidade, exercendo assim uma função supletiva e regulatória.

A atividade capitalista visa conferir ao empresário a possibilidade de livre organização de tais elementos a fim de que possa alcançar os melhores resultados financeiros, cuja influência estatal diz respeito tão-somente aos aspectos macroeconômicos e seus reflexos para o interesse público, tais como, a proteção ambiental, o controle da tabela de preços de determinados produtos essenciais, a proibição de exploração de certas atividades de controle estatal, etc.

Mas recentemente foi editada e aprovado o Decreto 7061/2009 no qual as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas de exibição de obras cinematográficas estão obrigadas a atender uma quota mínima de exibição de obras nacionais.

Com base em olhares pouco diligentes é possível observar que a intenção com a edição da lei foi buscar um incentivo à obra nacional, porém, esta via apresenta-se em dissonância com a configuração do regime democrático.

O intervencionismo através de decretos assegurados constitucionalmente no artigo 84, VI, elenca situações específicas cuja necessidade de regulamentação faz-se necessária. Assim cabe uma indagação inicial: Será que estabelecer a obrigatoriedade ao empresário criará uma conscientização sobre a importância da valorização da cultura cinematográfica atual? Tal regulamentação não geraria uma afronta à livre iniciativa do empresariado que se verá restrito à determinadas obras nacionais que não correspondem ao perfil da empresa?

Por outro lado há os preceitos do artigo 174 da Constituição Federal no qual o Estado emana-se como um agente normativa e regulador da atividade econômica, exercendo funções tipicamente de fiscalização e planejamento a fim de atingir medidas de precaução e correções macroeconômicas em âmbito nacional ou internacional.

Neste sentido cabe destacar os ensinamentos do Professor José Afonso da Silva na qual reflete a necessidade de liberdade privada para uma atuação saudável da atividade empresária e do desenvolvimento adequado do princípio constitucional da livre iniciativa:

“a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato”[1]

Nesta mesma linha de pensamento, Alexandre de Moraes atesta a necessidade de aplicação do princípio da livre iniciativa a fim de que seja assegurado o livre exercício da ordem econômica, exceto sob hipóteses especiais que tem por fim assegurar a todos uma existência digna e a justiça social, nos termos do artigo 170 da Constituição Federal:

“A ordem econômica constitucional (CF, arts. 170 a 181), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos expressamente previstos em lei e tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios previstos no art. 170.”[2]

Prosseguindo na análise da proteção constitucional à livre iniciativa denota-se no supramencionado artigo 170 hipóteses especiais de proteção da livre iniciativa nas quais a única das hipóteses limitativas que poderia se enquadrar com a situação em tela seria o inciso VII deste mesmo artigo no qual reflete acerca da necessidade de redução das desigualdades sociais e regionais.

Mas novamente cabe uma indagação: Será que o implemento obrigatório de obras brasileiras seria suficiente para influenciar a criação do hábito no público brasileiro e seria suficiente para gerar o aprimoramento deste tipo de produção?

Neste sentido o constitucionalista Alexandre de Moraes leciona acerca do alcance do princípio democrático tornando possível a visualização do liame entre a restrição da livre iniciativa e o incentivo cultural visado pelo legislador:

“Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural.”[3]

Faz-se necessário observar até que ponto tal medida não irá restringir a atividade empresária tendo em vista que a consecução dos objetos empresariais estarão previamente definidos com base na quantificação e qualificação dos filmes a serem exibidos nos respectivos estabelecimentos comerciais. Ao realizar uma análise de aprofundamento democrático na ordem financeira observa-se não atinge a busca de uma justiça social por não se qualificar como uma medida assecuratória da justiça social.

A atividade cinematográfica brasileira e a atividade cultural de uma forma ampla conta com restritos capitais e investimentos para o desenvolvimento de obras de qualidade técnica capazes de comparação, diferentemente de países como a Índia que estão sendo comparados ao grande cenário cinematográfico de Hollywood.

O intervencionismo do Estado em estabelecer uma quota mínima de exibição de obras nacionais é um controle extremo da atividade empresarial, na qual chega-se ao ponto da definição de quais mercadorias serão expostas ao público, sob um ar de censura disfarçada.

De forma conclusiva brilhante José Afonso da Silva delimita que a atuação do Estado deve-se apresentar como uma tentativa de se organizar a desordem decorrente do regime liberal e capitalista:

“A atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo”[4]

Logo pode-se concluir pela abusividade estatal no controle da atividade particular, em especial a atividade empresarial do ramo cinematográfico como vias de justificativa que tal medida representará um desenvolvimento para a atividade nacional. O desenvolvimento de uma atividade cultural depende de uma conjuntura organizacional que reúne diversos elementos, tais como, investimentos e planos de trabalho que fazem jus a tais apoios.

Tal medida terá como reflexo uma estagnação do setor cinematográfico visto que tal medida imperiosa e ditatorial imporá ao empresariado a obrigação de disposição de suas salas para a exibição de obras cinematográficas brasileiras, independente de sua qualidade técnica, visto que a variedade no cenário nacional é deveras restrita.

Pode-se concluir com este artigo que tal decreto não atinge a função constitucional de regulamentação do desenvolvimento social, além de representar um obstáculo á livre iniciativa e à aplicação do princípio democrático de direito.



[1]    SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2000. p. 767.

[2]    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003. p. 642

[3]    Ibidem. p. 42

[4]    SILVA, José Afonso da. op cit. p. 786.

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